terça-feira, outubro 16, 2001

Estou cansada de me sentir nadando contra a correnteza. Gostaria de poder nadar a favor, boiar. Melhorei um pouco depois que saí dos plantões em pronto-socorros públicos. Não agüentava mais, pobreza, desorganização, falta de respeito. Quando dei por mim, estva saíndo deprimida do trabalho. De repente estava empurrando maca, telefonando para família de pacientes, implorando vaga em algum CTI para pessoas que eu sabia que dependiam dessa tranferência para viver. Existiam alguns pacientes que sempre apareciam nos plantões querendo ser "internados", justificavam que estavam com dores, qualquer coisa. Descrobri logo que procuravam o hospital para poder comer. Isto mesmo. Aquela comida horrosa era o que eles mais desejavam. Depois de um tempo fiz um acordo com alguns deles e simplesmente mandava vir comida e depois eles iam embora. Certa vez um me pediu para deitar na maca. - Mas o senhor já comeu, não precisa internar - É que eu gostaria de dormir um pouquino doutora... Assitente social, não havia. Essas situações sugavam as minhas energias e quando tinha de atender algum paciente grave, estava cansada. Quando o dia amanhecia, eu estava um caco. Deprimida. Às vezes passava por lugares aonde sabia que de madrugada houvera um acidente horrível, vítimas fatais, uma luta danada dentro do hospital para manter os caras vivos. Pela manhã apenas um carro retorcido num canto, as pessoas indo trabalhar... olhava então para o mundo à minha volta: as árvores são verdinhas, o céu é azul, vou dormir um pouquinho... tomar um chá de camomila... ouvir música. Foi então que parei de trabalhar, concluí que estava fazendo filantropia e indo contra alguma coisa insolúvel. Mas descobri que o que os olhos não veêm o coração ainda sente. Provei o gosto da realidade, não tenho como riscar isso da minha história e fazer de contas que o mundo é uma revista Caras. Não dá para boiar.